sábado, 5 de abril de 2008

Je t'aime

Era mais um longo dia de verão. A onda de calor era simplesmente atordoante, mas estar ali era, para ele, um alento.

Sentado numa cadeira de balanço, lia alguns poemas de Apollinaire, enquanto, sorrateiramente, observava a moça quase ao lado. Aquela era sua prima, apenas dois anos mais jovem. De estatura mediana e esbelta, como muitas outras, mas, ainda assim, única. De cabelos naturalmente avermelhados, escorridos, na altura do pescoço, tez corada e rosto simetricamente desenhado. Uma raridade.

- Que calor!

Debruçou-se, fatigada, às teclas do piano que tocava com tanta maestria, produzindo um som brusco. Repetiu a última frase algumas vezes, até que voltasse a suas lições. Mozart, Bach, Chopin. Tudo soava melhor quando saía de suas delicadas mãos.

Entre uma parada e outra, abanava-se, ajeitava a saia, tomava um gole d'água, oferecia ao primo um refresco. Ele dizia apenas "sim", uma vaga e vazia afirmação, embora houvessem milhares de coisas que ele gostaria de dizer, coisas belas e cheias de significado, pensamentos não revelados, sentimentos escondidos. Tantos sonhos, tantos desejos...

A prima voltava sempre sorridente, com dois copos, entregando ao rapaz um deles. Ele sorria largamente, permanecendo em silêncio. Ela apenas ria e sentava-se novamente no banquinho do piano, voltando a dedilhar. Sua voz, sua beleza e sua presença eram como uma suave brisa, a refrescar gentilmente a sala. Entre um pensamento e outro, uma brisa e outra, o rapaz continuava sorrindo, imaginando mil coisas, que só ele e Apollinaire entendiam. E no livro que lia, havia parado numa única página, com um único poema, aquele que fazia sentido. Le jolie rousse. A linda ruiva.