domingo, 24 de fevereiro de 2008

Darwinismo

Do amor surge a vida
Não mera e simples divisão celular
Mas milagre, feito e acontecido
História, escrita e reescrita

Do amor, tudo se inicia
É ele a matriz de todas as coisas
Do belo ao feio
Do sagrado ao profano

O amor aos poucos nasce
Desabrocha como a fina flor
Aparece, misteriosamente
Desponta como a estrela no céu

Do amor, tiram-se idéias
Palavras santas e banais
Conceitos, verdades, dogmas
Ou até mesmo longas cartas

O amor é geratriz do sentimento
Da paixão, de todo encantamento
Ainda que seja por ódio ou vingança
Ainda que por um só momento

Por amor, se vai à guerra
E por sempre almeja-se a glória
Seja o amor à pátria ou a uma mulher
Como fez-se com Helena de Tróia

O amor é o início do caos
O pai da destruição
Seja a vontade de Deus ou a dos homens
Seja apenas a do destino

Como a nossa própria existência
Traçada numa linha evolutiva
Um caminho íngreme e longo
Um vago conceito longínquo

Como do corpo sobram as cinzas
Como o fogo delas se alimenta
A transformação, propriamente dita
Num sonho, num devaneio

Do pó viemos, o que nos criou
E cada um a ele retornará
Alimente já as terras conosco vivos
E resumirá toda a jornada a atravessar

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Os nomes de Ariella

para Ariella Fernanda, mais conhecida como Madeline Franz Adelie, Genevieve, Christiane F...

Eu a admirava profundamente, talvez, pelo fato dela ser uma mulher independente, irreverente, sem se preocupar com o julgamento da sociedade. Um espírito livre. Impetuosa, sincera, forte. Talvez, eu pensasse nela como uma fortaleza inexpugnável, como alguém que age sem pensar nas conseqüências e continua sempre bem no final.

Foram poucas as vezes que nos encontramos, depois de adultas. Éramos velhas colegas de internato, nunca fomos tão próximas, mas uma situação em particular nos tornou, por um tempo, inseparáveis.

Ao final do colégio, entre lágrimas e despedidas, a vi dar alguns passos e sentar-se num canto. Pensei em me aproximar, mas tive medo. Não exatamente medo, mas um certo receio, receio de machucá-la ou, até mesmo, de ser maltratada. Mas ao vê-la ali, completamente só, com uma expressão estática no rosto, algo me levou até lá, algo maior.

Tentei dizer algumas palavras, conversar...ela permaneceu calada. Por um momento, pensei em sair de lá, seguir meu rumo, mas aquela força, aquela coragem interna me obrigava a permanecer. Depois de reiteradas tentativas de dizer algo, sem sucesso, apenas olhei-a nos olhos, segurei sua mão e disse: "Conte comigo." Ela nada respondeu, apenas desviou o olhar.

Depois desse episódio, nunca mais a vi. Soube que havia se mudado para a Europa, e que lá vivia luxuosamente, mas nada além disso. Casei-me, tive filhos, levei uma vida normal. Às vezes, lembrava-me do último dia de aula, da sua expressão, daquele olhar, mas logo tirava a idéia da cabeça e preocupava-me com as coisas do dia-a-dia.

Era um dia tempestuoso, aquele. Eu estava sentada no sofá, enquanto as crianças brincavam lá fora. Refletia sobre alguma coisa, não me lembro o quê, quando, inesperadamente, a campanhia tocou.

A surpresa foi indescritível ao ver quem estava à minha frente.

Vestida finamente, ela limpou os pés no capacho, e pediu para entrar. Fiz as honras e ofereci um café. Ela recusou, apenas sentou-se e ficou ali, olhando de um lado para o outro. Quando finalmente sentei-me ao seu lado, ela apenas sorriu, tocou minha mão e disse:

- Não me esqueci daquele dia no internato.

Lembrei-me, então, do que dissera. Estranhei o fato de ela ainda se lembrar de minhas palavras, tão indiferente pareceu estar ao ouvi-las. Por fim, fiquei feliz por ter dito algo de importante para alguém. Conversamos por um longo tempo, nos lembramos de histórias antigas, rimos, tomamos chá. Já escurecia, e, mais uma vez, tive aquela estranha sensação de que precisava dizer algo, e nisso, a convidei para passar a noite ali. Ela agradeceu e me acompanhou até o quarto de hóspedes, no andar de cima.

Arrumei a cama com lençóis limpos e emprestei a ela algumas roupas, disse para que ficasse à vontade. Tentei ser o mais hospitaleira possível, pois notei que ela precisava de alguém, uma amiga. Meu marido não aprovou a idéia de ter uma estranha em casa, mesmo sabendo se tratar de uma antiga conhecida. Resolvi ignorá-lo, estava fazendo algo bom, disso tinha certeza.

Alguns dias se passaram. Conversamos muito durante esse tempo, madrugadas inteiras a fio, lembrando-nos de fatos, contando experiências. Ela contou-me de seus anos na Europa, seus vários amores, suas várias faces. Contou-me de seus vários nomes, de quando foi Genevieve, uma garota suburbana, ou mesmo Clementine, uma rica divertidíssima. Para cada nome, uma assinatura, uma história, uma época, um lugar. Contou-me dos hóteis, boates, cassinos que freqüentava, com suas identidades, das noites que passava fora, onde lhe pagavam drinques e lhe tratavam como dama da alta sociedade. Contou-me do quanto era livre, livre para ser quem quisesse, livre para fazer o que bem entendesse.

Numa manhã, porém, ela se foi. Nem ao menos me acordou para se despedir ou agradecer, foi rápida e rasteira. Apenas deixou na mesinha um bilhete, muito bem escrito, e com dizeres em francês. "Jamais me esquecerei de sua amizade". Por um momento, tentei entender o que fora aquilo, aquela visita tão repentina. Não consegui.

Tempos depois, quando homens da lei bateram à minha porta, procurando-a, pude entender do que se tratava.

Nunca mais tive notícias dela. Soube apenas que fugira da guerra, em Paris. Provavelmente, fora para algum país neutro, da própria América. Não procurei mais, deixei que a vida seguisse seu rumo, seu destino, como ela mesmo me ensinara. A vida é para ser vivida, e não planejada.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Sem título

Queria escrever um texto.

Pensei em várias coisas, tive várias idéias, fiz o maior esforço possível. Tentei me lembrar de fatos, impressões, emoções, consultei os cinco sentidos, em busca de inspiração, ou algo que desencadeasse uma seqüência de palavras.

Com a caneta em mãos, tentei, de todas as formas, escrever algo naquele papel em branco. Nisso, consumi minutos, que se transformaram em horas, e foram crescendo, e crescendo...

Por fim, acabei ocupando naquilo todo o meu dia.

A frustração foi tamanha ao olhar para o pedaço de papel e perceber que ele permanecera como no início: completamente límpido, sem uma letra sequer.

À noite, tentei mais uma vez. Empenhei-me ainda mais na árdua tarefa, e cheguei a fazer alguns rascunhos, mas, ao lê-los, fui tomada por uma ira descomunal, rabiscando cada linha, amassando a folha de papel e atirando-a pela janela, violentamente.

Forcei minha cabeça contra o travesseiro, com o objetivo de tirar algo de lá, alguma idéia, e, ao mesmo tempo, com aquela irritação latente. Escrever era, a príncipio, um passatempo, depois, tornou-se um vício. Agora, sentia como se fosse uma obrigação, algo que eu precisasse fazer, mesmo sem vontade.

Desisti.

Fui à cozinha, tomei um copo d'água, deitei-me e fui dormir. Isto? Isto não é um texto, é um desabafo.