terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Marcha Nupcial

Fechou os olhos e levou as mãos à cabeça. Tinha diante de si uma mala, preenchida até a metade. Recolhia seus pertences, um a um, e colocava-os ali. Sem explicações. Sem porquês. Apenas repetia incessantemente aquela ação, em silêncio.

Uma fina lágrima percorreu seu rosto. Pequenina e rápida, foi volátil, consumindo-se no ar ambiente em questão de segundos. A mulher secou os olhos marejados, respirando fundo. Tentava concentrar-se unicamente em sua tarefa.

Abriu mais uma gaveta. Encontrou um porta-retrato, vazio. Certamente fora um daqueles presentes genéricos de amigo-secreto. Sob ele, havia uma caixa, levemente consumida pelo tempo. Tomada pela curiosidade, abriu-a.

Dentro dali, havia fotografias. Retratos, recortes de momentos vividos, armazenados em algum lugar longínquo da memória. Sua primeira festa de aniversário, sua formatura da alfebetização, suas férias na casa dos avós, seu baile de quinze anos. O primeiro encontro dos dois.

Segurou, então, aquela última fotografia, levando-a até mais perto de suas vistas. Tudo voltou à sua mente: suas primeiras palavras, sua primeira olhadela, seu primeiro beijo, sua primeira vez. Seu casamento, o nascimento de sua primeira filha.

Pensou, durante vagos instantes, em desistir daquela idéia. Chegou a retirar duas blusas de sua mala. Mas não, não poderia. Recolocou-as na bagagem, rapidamente. Era preciso fazer aquilo. Sua vida já havia se transformado em cinzas. Era hora. Era hora de deixá-la.

Chorosa, rasgou a fotografia, atirando ao vento os papeizinhos picados. A madrugada seria testemunha de sua decisão, e a caixa de recordações permaneceria ali, como prova. Continuou com sua tarefa de outrora, sem interrupções. À sua conclusão, fechou a mala.

Foi até o quarto ao lado, a porta estava aberta. A menina dormia. Com sua respiração tranquila, parecia um anjo. Ao primeiro sinal de movimento da criança, a mulher saiu, sem pestanejar. Arrastando sua mala pelo corredor, sorria. Sorria estranhamente, como no dia em que colocara seu vestido de noiva. Vestido aquele que decidiu colocar naquela exata noite.

Na manhã seguinte, uma criança chorando, uma poça de leite sobre uma carta em plena mesa, e um homem ainda em pijamas procurando desesperadamente pela chave do carro.